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  • Foto do escritorMarcelo Camargo

Eu, a corrida e a São Silvestre

Atualizado: 15 de jan. de 2020

Por Marcelo Camargo


Em tempos de São Silvestre, me atrevo a contar parte da história da corrida em Belo Horizonte/MG:


31 de Dezembro de 1983, noite de Reveillon e eu ali, em frente à TV, com os olhos que quase não piscavam:


“Na medida em que os metros iam sendo consumidos, surgia a seleção natural”.

Os dignos corredores anônimos diminuíram o ritmo e os campeões começaram a disputar a corrida.

Barye, Ngatia, Salazar, Tibaduiza e João da Matta. Eles puxavam a corrida, escoltados por batedores e alimentando os olhos dos fotógrafos, jornalistas e radialistas que seguiam alguns metros à frente.

Entram juntos no último trecho do percurso e João da Matta vê as enormes luzes da Fundação Cásper Líbero.

Lá estava a consagração, a faixa da chegada, os amigos, o povo esperando, os troféus, as medalhas, o reconhecimento de um incrível esforço.

Aumentou a velocidade e Tibaduiza, Ngatia e Barye não puderam acompanhá-lo. Era um final de campeão, indiscutível. O algo mais que todo o vencedor precisa ter, tinha surgido em João da Matta. Ninguém mais poderia vencê-lo.

Delírio pelas arquibancadas, executivos esquecendo a frieza do formalismo e os trabalhadores aplaudindo com emoção e lágrimas nos olhos.”

(Parte do texto publicado na íntegra em 01/01/1984 – Gazeta Esportiva – Por Wanderley Nogueira)


João da Matta foi um divisor de águas para o corredor mineiro. Com essas imagens ainda na memória, a partir de 1985 iniciei no universo da corrida e nunca mais parei. Com o passar dos anos dediquei minha vida acadêmica sobre o assunto, inclusive sua história. O que descrevo abaixo pode não representar nada demais aos corredores doutros estados do Brasil, mas com certeza irá brilhar os olhos dos corredores Belo Horizontinos que não vivenciaram essa trajetória da corrida e para os mais saudosistas, as lembranças servirão como um presente de final de ano.


Na década de 80, correr era para quem gostava e na maioria dos casos para aqueles que tinham a possibilidade de ter uma boa performance, o que difere dos dias atuais onde a corrida assumiu outros significados como estética, saúde, remédio para emagrecer, socialização, status e por aí vai...

Naquele período ser corredor era ser taxado como louco inclusive marginalizado pela população que nos chamavam por frases depreciativas como “bando de índio”, “falta do que fazer” ou “pega ladrão”.

Era um esporte de baixo custo, as inscrições eram baratas ou mesmo gratuitas e tinha maior participação da classe de menor poder aquisitivo. O corredor via nessa modalidade, a esperança da melhora de vida através das conquistas, ainda que a premiação fosse escassa e limitada apenas aos primeiros colocados.

Nada de medalhas de participação, camisas e outros agrados vindo em kits como nas corridas atuais. Em alguns casos recebíamos diplomas.

Os eventos não tinham os recursos de hoje, porém o significado de corrida era outro.


Com o passar dos anos através do maior numero de adeptos devido a outras razões que não fossem apenas competitivas, houve aumento significativo da divulgação de provas.

Os treinamentos da maioria dos corredores aconteciam em diversos pontos da cidade, sem local centralizado como acontece atualmente.

Era comum correr pela Av. do Contorno e Av. Raja Gabaglia e raramente na Pampulha.

O acesso a pista de atletismo da academia de polícia era também menos burocrático como nos dias atuais.


Antes da vitória de João da Matta na São Silvestre, havia acontecido em Belo Horizonte a primeira maratona no Brasil, o ano era 1976 e 19 corredores concluíram a prova. Essa Maratona aconteceu novamente em 1979, desta vez com 20 concluintes.


Na década de 80 foram várias as corridas, que já não existem mais, com distâncias diferentes, horários de largada diferentes e algumas com seqüências nos anos posteriores e outras com premiações em dinheiro.


Segue alguns registros:


– “Corrida de Direito” da UFMG: era famosa e muito aguardada, acontecendo entre os anos de 82 a 84, com largada no viaduto do BH Shopping e chegada na faculdade de Direito (percurso insólito para os dias atuais).


– “Corrida dos Namorados” (10/06/84): nessa prova o casal tinha que correr o tempo todo de mãos dadas.


– “Corrida Rústica da Cidade de Belo Horizonte”: realizada de 1981 a 1988 com largada e chegada em frente ao Campo do Lazer, hoje Shopping Diamond Mall, em 1984 tiveram 700 corredores e o percurso teve o privilegio de contar com batedores da polícia militar que acompanharam os atletas, já em 1986 limitou-se ao número grandioso de 1.500 inscritos e foi nessa mesma prova que em 1988 houve a inclusão de cadeirantes.

– “Corrida dos Correios”: teve sua 1ª edição em 1988 e acontece anualmente até hoje.


-A 1ª “Corrida Cross Country” aconteceu em 1983 e em 1985 teve a participação do consagrado João da Matta.


– “Subida da BR”: uma corrida desconhecida para o público atual (largada na Av. Nossa Senhora do Carmo, sentido BH Shopping e chegada na Av. Raja Gabaglia com Av. Contorno). Teve 5 edições até 1985 e tinha a participação de pelo menos 200 atletas.


– “Volta da Lagoa” na Pampulha com registro inicial em 1980 e uma seqüência até os dias atuais após ser transformada em “Volta Internacional da Pampulha”.


– “Meia Maratona do Clube XV Veranistas”, que de acordo com o Diário da Tarde de 09/08/1980 teve a largada às 5h da manhã (admirem-se).


– Em comemoração as novas instalações do Mineirinho, em fevereiro de 1983 uma Meia Maratona com cerca de 3.000 inscritos com largada na Praça do Papa e chegada no Mineirinho (surpreendente esse percurso).


– “Meia Maratona Atlântica Boa Vista/Estado de Minas” (maio de 1983): teve o percurso pintado com tinta vermelha no asfalto a cada quilometro e ainda distribuição de copos de água (pasmem-se), além da inovação dos guarda volumes.


– Em 1983 e 1986 aconteceu novamente a “Maratona de BH” com largada e chegada em frente à Prefeitura, com flashes ao vivo pela TV e premiação de uma moto Vespa para aos campeões.


– “Subida da Avenida” (1985/86): uma saudosa corrida que podia ter a sua retomada, percurso por toda extensão da Av. Afonso Pena, com largada na Praça Rio Branco (Rodoviária) e chegada no Parque das Mangabeiras em um percurso de 8 km, a novidade era que os primeiros 100 atletas do interior tiveram hospedagem e alimentação gratuitas.


- Meia Maratona da Inconfidência 21/04/1985 , aos 15 anos de idade, foi a primeira prova que participei. Largada na Praça Tiradentes, sentido rodoviária e grande parte do percurso realizado margeando o Ribeirão Arrudas e a Via expressa na zona oeste da cidade.


- 1991 e 1992 - Novamente a Maratona de Belo Horizonte com largada e chegada em ainda em frente a Prefeitura e tive o privilégio de corrê-la em 92 concluindo o percurso em 3h06min. o Vencedor foi o Patense (Patos de Minas) João Batista Pacau e João da Matta chegou entre os primeiros, subindo ao pódio


Hoje em dia, aproximadamente 90% das provas em BH acontecem na lagoa da Pampulha, infelizmente não teremos mais essas provas da década de 80 novamente.

Mesmo assim, admiro e respeito muito a história de cada acontecimento e o que vivemos na corrida de rua atualmente é fruto do que aconteceu no passado.

Hoje estamos fazendo a história que será contada daqui alguns anos e seremos todos partes dela.


Obrigado, São Silvestre. Obrigado, história!


Agradecimentos à Profª. Simone Ferretti pela brilhante pesquisa no Trabalho de conclusão do curso de Educação física em 2010 da Faculdade Pitágoras com o tema:

"Corrida de rua e praticantes da modalidade em Belo Horizonte durante a década de 1980".


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Foto:

Eu aos 15 anos de idade com João da Matta em 1985 - Belo Horizonte/MG




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